sábado, 6 de junho de 2015

Viagens e transportes de 2050

Escrevo isto para os meus avós.
Quero que saibam o que fizemos ao nosso mundo, como o mudámos para sempre e como me arrependo de ter contribuído para isso. Se achavam que estávamos mal quando vocês cá estavam, deviam ver como estamos agora! Tenho cinquenta anos e em criança achava que uma grande mudança não faria mal a ninguém; enganei-me! A mudança deu-se, mas não gosto do que vejo, pois é tudo demasiado diferente.
Ora bem, por onde começar?! E que tal contar-vos aquilo que mais me choca?! Sim, parece-me uma boa ideia. Vou falar-vos dos novos transportes, de como viajamos por estes dias. Primeiro que tudo uma pergunta. Lembram-se de andar a pé, de dar grandes passeios pela floresta, à beira mar? Pois isso acabou há uns três ou quatro anos. Agora não caminhamos, temos foguetes nos sapatos e, acreditem, ninguém, e repito, ninguém, com menos de trinta anos, abdica deles. É simplesmente absurdo, completamente antinatural a meu ver.
Carros. Tanto que tínhamos de saber para conduzir um carro, não era? Agora, a única complicação é saber para onde irmos, porque em relação ao carro é só inserir os dados numa maquineta estranha e eles levam-nos a todo o lado e estacionam sozinhos, sem precisarmos de mexer um músculo. Fantástico, não é?! Podemos embebedar-nos à vontade e ir “conduzir” sem corrermos o risco de nos espatifarmos contra os outros carros, as paredes, os passeios ou as árvores.
Ah!, quase me esquecia, o petróleo acabou e agora os transportes são todos movidos a urânio, todos sem exceção. Já estão a ver o quão saudável isto é, não estão? Pois, mas é mesmo assim. Só há uma coisa boa nisto do urânio: acelerou, e muito, os transportes. Por exemplo, para ir de Portugal a Inglaterra de avião em vez de duas horas agora só demoramos uma.
Por falar em aviões, imensas pessoas perderam os seus empregos como pilotos, tendo sido substituídos por robôs, todos programados uma, duas horas antes dos voos. Novamente apenas vejo uma coisa boa nisto, há menos acidentes, porque os robôs não têm instinto suicida, nem problemas mentais. Só que, como é óbvio, nenhum robô substitui uma vida humana, nem mesmo das pessoas com instinto suicida ou problemas mentais, que essas são precisas para dar emprego a outros.
Quanto a transportes pesados só me falta falar dos autocarros. Esses estão duas vezes maiores e levam duas vezes mais pessoas, mas mesmo com todo este peso estão mais rápidos. E a que é que devemos esta rapidez? Ao urânio. Céus, quem me cá dera o nosso rico petróleo, que, apesar de ser menos eficiente, é menos poluente!
Passando ao veículo mais leve que temos, as bicicletas, estão completamente diferentes. Têm todas motor, temos de ter uma autorização, estilo carta de condução, que tem de estar sempre em dia e só as pessoas com mais de dez anos é que podem andar de bicicleta. É tudo tão injusto! Quando eu era miúda uma das coisas por que mais ansiava era ouvir o meu pai a perguntar se eu e os meus irmão queríamos ir dar uma volta de bicicleta. Ficávamos entusiasmados e felizes; era mesmo fantástico.
Enfim. Bom, hoje em dia as pessoas, como lhes disse, já não sabem o que é andar a pé, o que é pedalar numa boa bicicleta a toda a velocidade, o que é o entusiasmo de pegar pela primeira vez no nosso próprio carro, sozinhos e conduzir verdadeiramente, sem destino e sem horas para chegar. Parece que já ninguém se lembra de como vocês e tantos outros lutaram por um futuro melhor para nós e como, depois de vocês partirem, estragámos tudo, como nos mudámos a nós mesmos sem darmos conta e como estamos irremediavelmente perdidos no nosso erro. Será que algum dia, num futuro longínquo, os nossos filhos nos poderão perdoar pelo que fizemos?