Acordei na minha cama dura e de lençóis coçados, com os pés
frios e de mau humor.
“Às vezes pergunto-me porque me meti eu nisto? Ela tem
pouco dinheiro (ou nenhum) e cá estou eu feita parva a brincar às donas de
casa. E ainda quer que lhe chame “Senhora” ou “Madame”. Que bonito....” pensei enquanto me arranjava para o dia num vestido mais velho
que o século.
Suspirei. “Bem agora não há nada a fazer a não ser despachar o
pequeno almoço deles e começar as tarefas do dia...”.
Após preparar o pequeno almoço para a Senhora e para o
Menino, pu-lo na bandeja e encaminhei-me para o quarto.
Ao abrir a porta fui saudada por uma visão de pura beleza.
A Senhora dormia de corpo nu meio coberto pelo lençol de
seda fina. Os cabelos cor de fogo espalhados desordeiramente pela almofada à
sua volta; o rosto de porcelana sereno, doce e corado do sono.
Dormindo qual anjo nas nuvens estava o Menino deitado no
peito da mãe, também ele nu e de porcelana. Os cabelos espessos, encaracolados e negros como a
noite a enquadrando atabalhoadamente o seu rosto de criança.
Sorri.
Que mais podia eu fazer? Apesar de tudo eles eram especiais, de uma forma profundamente cativante.
A má disposição foi toda levada pela brisa suave que entrava pela janela
entreaberta, perante aquela obra prima.
Senti-me em paz....
Devo admitir, apesar de as condições não terem sido as
melhores e de muitas manhãs terem sido tão deprimentes como aquela começou por
ser, nunca aquela imagem se desvaneceu da minha memória. E penso agora, no
fim, que é talvez a memória mais tranquila que tenho.
Sinto-me em paz....
Sorriu....
E devagarinho o mundo desvanece-se perante os meus olhos
cansados após um último suspiro....